José Manuel Oliveira
Diário de Notícias :: 2008.06.11
Há "mais de meio milhar" de idosos em lares do Algarve abandonados pelas famílias, muitas das quais da classe média. A este quadro, que é dramático, juntam-se os que vivem "isolados e em situações degradantes, com pensões de reforma miseráveis e rejeitando qualquer tipo de apoio, apesar de já não terem capacidade física e psicológica para cuidar de si próprios".
Helena Serra, provedora há 30 anos da Santa Casa da Misericórdia de Albufeira, recorda que o último idoso recolhido este ano pela instituição, na zona das Ferreiras, naquele concelho, "vivia pior do que um animal, mesmo abaixo de cão, como se costuma dizer". "Outros, na casa dos 80 anos, ficam ao estilo de sem-abrigo e rejeitam ser acolhidos", refere, recordando um caso que a impressionou particularmente: "Só através do tribunal é que conseguimos que ele deixasse o espaço onde vivia. Há pocilgas muitas mais limpas e cuidadas do que o local de onde o retirámos. As pessoas nem fazem ideia do que muitas vezes se passa no Algarve a este nível", conta.
Apesar de a grande maioria dos familiares preferir ignorar o problema, não visitando nos lares os seus idosos, alguns deles ainda saem em defesa dos filhos, alegando que eles "não têm disponibilidade de tempo para ir vê-los", refere a provedora, para quem, no entanto, tal situação "não é um facto". Por outro lado, afirma, outros idosos há que "sofrem com o abandono por parte das famílias" e muitos "já nem sequer reagem, estando numa situação de alheamento quase total".
Um dos casos mais chocantes ocorreu há cerca de dez anos no centro de Albufeira, junto a um mercado, onde um idoso foi abandonado pelo filho num passeio, numa noite chuvosa. "Ele já não estava muito lúcido e só dizia que tinha sido um filho que abriu a porta do carro e o pôs na rua. Mas sem nome, nem local de onde vinha, tornou-se muito complicado saber quem eram os familiares", recorda Helena Serra, que demorou três semanas até os conseguir localizar, embora tal "de nada tivesse valido". O idoso faleceu três meses depois e no funeral apenas o acompanharam a provedora, a governanta da Misericórdia e o padre.
No lar de Vila do Bispo, mais de 20 por cento dos 64 idosos que ali se encontram alojados não sabem há muito tempo o que é ser visitado por um familiar."Nota-se que encaram com muito sofrimento essa situação difícil. Tentamos resolver o problema quando, nomeadamente no Natal e nos dias dos aniversários, convidamos as famílias para uma festa. Às vezes até vêm. Mas deslocam-se ao lar sobretudo para a festa e acabam por ter contacto com os idosos numa situação forçada", contou ao DN Vítor Lourenço, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo.
"Infelizmente, a situação de abandono dos idosos pelos seus familiares passa-se ao nível de todo o País. O que interessa a muitos deles é entregar os pais aos lares, esquecendo-se que por muitos serviços de qualidade que estes tenham, a melhor terapia ainda é a relação humana com a família", concluiu Vítor Lourenço.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário