domingo, 25 de maio de 2008

Aborto livre e educação sexual obrigatória

Rafael Serrano

Aceprensa :: 2008.04.22

http://www.aceprensa.com/articulos/2008/apr/22/aborto-libre-y-educacion-sexual-obligatoria/

A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa pretende que haja menos abortos. Para isso pede que se empreguem "todos os meios possíveis que sejam compatíveis com os direitos da mulher". Isto aparece no primeiro ponto da recomendação aprovada em 16 de Abril. A seguir propõe meios pouco compatíveis com o fim a que se propõe.

Até agora pensava-se que, se numa sociedade se pretende reduzir a frequência de uma prática, não se ia por bom caminho defini-la como um direito, eliminar pré-requisitos, torná-la barata e assegurar o concurso de quem tenha que intervir para que o interessado a leve a cabo. Este princípio aplica-se com convicção contra a violência doméstica, a pornografia infantil, a condução sob o efeito do álcool e outras condutas que efectivamente se pretendem diminuir.

De facto, na redução do número de abortos, a Polónia é um exemplo que a Assembleia Parlamentar deveria propor aos restantes países. Sob o regime comunista, a Polónia tinha uma lei do aborto muito permissiva. Nos anos 80 registava à volta de 200 abortos por mil nados-vivos. Quando foi instaurada a democracia, o Parlamento aprovou sucessivas restrições e a taxa foi baixando até menos de 1 por mil. Se, como afirma a resolução, "o aborto deve ser evitado o mais possível", não há maior êxito que o da Polónia.

Pelo contrário, outros ex-satélites da URSS que após a queda do comunismo não reformularam as leis do aborto, continuam a registar hoje as taxas mais elevadas da Europa: a Roménia com 739 abortos por mil nados-vivos; a Bulgária com 588 por mil; a Hungria com 499 por mil; a Eslováquia com 355 por mil… (dados de 2005).

No entanto, a resolução lamenta que nalguns países não se dêem todas as facilidades para fazer o que pede que "se evite o mais possível". Entre os obstáculos ao "exercício efectivo do direito das mulheres a aceder ao aborto sem risco e legal" cita "a falta de médicos dispostos a praticar o aborto", "o requisito de se submeter a várias consultas médicas", "os tempos de reflexão e os tempos de espera". A proposta da Assembleia é de eliminar todas essas cautelas e instaurar – onde não a haja – uma lei de prazos, que permita abortar sem restrições até certo momento da gravidez.

Turismo do aborto

Se os deputados da maioria acreditam verdadeiramente que assim se conseguirá atingir o objectivo desejado, é pela anti-intuitiva e nunca provada teoria de que se aborta mais se a lei puser entraves. Dizem, com efeito (ponto 4): "Proibir o aborto não serve para reduzir o número de abortos: isso conduz sobretudo a fazer abortos clandestinos, mais traumáticos e contribui para o aumento da mortalidade materna e/ou para o desenvolvimento de um turismo do aborto".

Naturalmente, ninguém sabe quantos abortos clandestinos há. É certo que a vigência de alguma restrição legal é condição necessária para que se verifiquem e é provável que se reforçam as restrições, cresça o número de abortos clandestinos. Mas não é verosímil que o resultado líquido da proibição seja um aumento. Pode acreditar-se que continuem a existir, como antes das reformas legais, 130.000 polacas que abortam por ano, só que agora no estrangeiro? Pois na clandestinidade não pode ser, onde se esconderiam?

Além disso, o turismo do aborto não é de um só sentido. A Holanda tem uma lei que fixa prazos, a Espanha tem uma lei com indicações. No entanto, os abortos de estrangeiras diminuíram na Holanda (de 7.400 em 1996 para 4.500 em 2006) e aumentam em Espanha (de 632 para quase 3.400). Desde 1994 as estrangeiras que abortam em Espanha superam em número as espanholas que abortam fora. A Espanha chegam principalmente de Portugal e de França, pese embora o segundo (como o primeiro desde o ano passado) também tenha lei com fixação de prazos.

Recentemente foi conhecido, além disso, o caso de uma jovem da Holanda que abortou em Barcelona, na clínica Ginemedex, investigada por práticas ilegais. E por que razão pretende alguém, que vive num país com lei de prazos, viajar para outro com lei de indicações? Porque – é um aspecto não contemplado pela Assembleia Parlamentar – legalizar o aborto não elimina a clandestinidade e em Espanha há clínicas dispostas a facilitar o aborto a estrangeiras com o prazo ultrapassado, invocando de modo fraudulento uma indicação.

A receita da Assembleia para reduzir o número de abortos tem outros dois ingredientes: "assegurar o acesso das mulheres e dos homens a uma contracepção de custo baixo" e "estabelecer uma educação sexual obrigatória para os jovens". Não há grande necessidade de estimular o primeiro, que na maior parte dos países europeus está próximo da saturação. O que não se descobriu ainda é o método para que o recurso, ainda crescente, aos anticonceptivos faça diminuir os abortos. O que dizem as estatísticas é que ambos os fenómenos vão de mão dada, de modo que o aborto converte-se na última barreira contra a gravidez não desejada.

Para a educação sexual, o modelo clássico é a Suécia, onde é obrigatória desde 1956. A verdade é que aí a taxa de abortos é uma das mais altas da Europa ocidental: 345 por mil.

Na verdade, há distintos factores que influem na frequência dos abortos e nenhum é determinante por si só. Mas acreditar que as restrições os aumentam e a permissividade legal os reduz é mais uma questão do foro da superstição.

Folga-se em advertir que esta orwelliana resolução não é vinculativa. Simplesmente, é impossível de cumprir, como uma disposição que instasse a reduzir a incidência do tabagismo estabelecendo um direito de fumar, permitindo fazê-lo em todos os lugares e baixando o preço dos cigarros. Nessas condições, a educação sanitária serviria para pouco, ainda que fosse obrigatória.

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