João César das Neves
Diário de Notícias :: 2008.04.14
O Partido Socialista é uma das grandes instituições da democracia portuguesa. O País deve-lhe, entre outras, a oposição ao marcelismo, a luta contra o gonçalvismo, os programas de estabilização com o FMI em 1977 e 1983 e a reforma da Segurança Social em 2007. Mas, sobretudo quando orientado por personalidades de segunda categoria, ele também é capaz de enormes disparates e graves atentados. A recente decisão de mudar a lei do divórcio é um caso destes.
Pode perguntar-se o que é que aconteceu de tão grave que justifique uma reforma em legislação tão central e sensível. A única resposta válida é que se trata de um capricho do partido do Governo. Houve uma iniciativa do Bloco de Esquerda, um grupinho de exaltados sem representatividade, a que se junta a cópia às tolices que a Espanha tem vindo a fazer ultimamente. Sobre este tema decisivo, o Partido Socialista vai legislar a reboque e à pressa.
Desgastado pela acção do Governo e obrigado a fazer compromissos nos princípios e cedências na doutrina, o Partido precisa, de vez em quando, de polir as suas medalhas ideológicas. Só o pode fazer ligando-se a radicais cujos extremismos lhes garantem uma legitimidade revolucionária. As referidas influências são de tal modo evidentes e ingénuas, a atitude dos responsáveis é tão cândida e ligeira que seria comovedora, se não fosse grave.
Trata-se indiscutivelmente de um assunto muito sério. O casamento e a família constituem um dos elementos mais relevantes da vida de todos nós e as garantias que a lei lhes concede são importantes para a sua solidez. Além disso também é indiscutível que o que se vai fazer é um enorme disparate, mesmo do próprio ponto de vista dos socialistas. Isto por duas razões.
A lei só existe para proteger os fracos. Por isso é que, em geral, quando se dilui uma regulamentação se está a criar oportunidades para os poderosos abusarem. Se o divórcio se torna mais célere e expedito, se o casamento fica mais precário e solúvel, isso vai prejudicar precisamente aqueles que mais sofrem nessa relação, as crianças, os idosos, os cônjuges sem meios, doentes, desempregados, etc.
Quanto, ninguém sabe. O aspecto mais grave é que quem acaba de mudar a lei e promete mudá-la de novo não faz a menor ideia como isso afectará a realidade, porque o faz por capricho, a reboque e à pressa. Por causa da lei agora revista, haverá lágrimas amargas, sofrimentos lancinantes, que o legislador alegremente ignora. Mas a coisa fica ainda mais tonta ao considerarem-se os antecedentes.
Durante mais de mil anos quem em Portugal casou as pessoas foi a Igreja Católica. No século XIX os laicistas e maçons fizeram da crítica a este facto uma bandeira central. Em particular, a "Associação do Registo Civil e do Livre Pensamento", fundada em 1895, de gloriosas tradições à esquerda, era feroz neste ponto. Apesar disso, as vitórias foram lentas. Os passos principais são o Decreto de 16 de Maio de 1832 de Mouzinho da Silveira e o Código Civil de 1867. Foi apenas com a República, na Lei da Família de 25 de Dezembro de 1910 que se verificou a mudança definitiva.
Pode dizer-se que essa reforma tão ansiada não durou cem anos. Os socialistas actuais, levando o casamento civil a valer menos que a tinta com que está escrito, entregaram de novo à Igreja esse aspecto central da vida. Quem hoje quer casar a sério e proclamar à sociedade uma união sólida e perene vai onde, ao registo ou à capela? As modas intelectuais mudam mas a Humanidade fica. Quando daqui a uns anos os políticos voltarem a reconhecer o valor da família, é no seio da Igreja que a vão encontrar.
Pode perguntar-se a origem desta tolice. A resposta, como sempre, está no facto de estes pobres deputados acreditarem nos seus próprios estudos. Aquelas análises que há cem anos lhes diziam que a religião ia acabar e há 50 asseguravam que a empresa e o mercado estavam condenados agora sugerem-lhes que promovam uniões de facto, divórcio e promiscuidade. O problema destes socialistas não é o socialismo. É a miopia
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